segunda-feira, 18 de junho de 2012

Recado ao Senhor 903

Crônica que serviu de mote para várias discussões entre os alunos: Recado ao Senhor 903 (Rubem Braga), Abaixo interpretação do texto.


Vizinho –
 Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar às 21:45,  explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois às 8:15  deve deixar o l783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
 ... Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho e come de meu pão e bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela”.
 E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.

 
Questões:


1- O texto está escrito em forma de:
a) (   ) carta
b) (   ) conto
c) (   ) bilhete

2 – “Quem fala aqui é o homem do 1003”. O número 1003 indica o quê?


3 – Por que o autor resolveu escrever ao seu vizinho?

4 – No decorrer do texto ele faz uma promessa. Qual é?


5 - “... 0 903 precisa repousar das 22 às 7, pois às 8:15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305.”
            Com base na frase acima, relacione as colunas abaixo, escrevendo dentro dos parênteses da 2ª coluna o número correspondente à 1ª.

(1)903                                    (   ) nº do prédio onde moram.
(2)783                                    (   ) nº de um ônibus.
(3)109                                    (   ) nº do apartamento do vizinho.
(4)8:15                                   (   ) nº do prédio onde o vizinho trabalha.
(5)305                                    (   ) horário em que o vizinho deve repousar.
(6)22 às 7                               (   ) nº da sala em que o vizinho trabalha.
(7)527                                    (   ) horário do ônibus.

6 - Qual é o tema da crônica de Rubem Braga?

7 - Que efeito o cronista proporciona ao utilizar frases conhecidas como: "o regulamento do prédio é explícito", "quem trabalha o dia inteiro tem o direito ao repouso noturno"?

8 - Por que o cronista recorre ao uso exagerado de números como na frase do exercício 5?

9 - Identifique na crônica a oposição, o contraponto que há entre a existência social, extremamente ordenada, e a existência natural.

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